2016/05/29

Letra miudinha

O Joaquim é o rapaz dos cadernos. Tem um caderno das flores, um caderno das folhas, um caderno dos desenhos, um caderno das histórias e, há três dias, descobriu  um caderno que enfeitou com brilhantes autocolantes que a minha mãe trouxe de Goa. É o seu diário. Todas as noites, já cansado, enfiado por baixo de edredão, só se vê a sua linda cabeça cheia de caracóis, escreve longos textos sobre o seu dia numa letra miudinha que, quando a espreito, me dá vontade de chorar. Como me atrevo, pela manhã, aos pensamentos mais sombrios, mais desesperados? O amor aos meus filhos, só esse, é absurdo, paradoxal: salva-me e condena-me. Explico-lhe que não precisa de contar detalhadamente o que acontece em cada um dos seus dias, pode escrever apenas uma frase sobre o que mais o marcou, a comida sensaborona do refeitório, uma brincadeira no recreio, as participações disciplinares do Sandro, um episódio do Mundo de Gumball. Olha-me demoradamente e contrapõe: “Mas assim não é um diário, mãe. É outra coisa qualquer”.