O gato dorme em cima do frigorífico. Fumo, bebo e escuto o Elvis cantar "Suspicious minds" . Leio a bula da fluoxetina. Deixei de a tomar em Outubro de 2014. A ela volto. Já não recordava a extensa lista de efeitos secundários: dificuldade de engolir, diarreia, arrepios, dores de cabeça, alterações do sono ou sonhos anormais, euforia, movimentos involuntários, agitação extrema, perda de cabelo, disfunção sexual, secura da boca, falta de ar, erecções prolongadas, comportamentos de automutilação, e, o meu preferido, comportamento incaracterístico selvagem. “Deve evitar o álcool enquanto estiver a tomar este medicamento”. São divertidos os folhetos informativos dos medicamentos. Não se devem levar muito a sério, caso contrário uma pessoa dá em doida. Engulo um comprimido com um gole de moscatel de Setúbal. É tão docinho. Amachuco a folha de papel numa bola e atiro-a para o corredor. O gato desperta do seu sono e, ziguezagueando de um modo estranho, aos gangões, corre para a apanhar. Estaria a ter um sonho anormal? Abro a agenda e leio os textos que escrevi nos últimos dias, o início de dois contos, a imitar descaradamente o estilo da Lucia Berlin, as habituais notas sobre o dia-a-dia: aulas de natação, passeios no parque depois das aulas, discussões com o João, julgamentos, um grupo de rapazes na pizzaria, os olhos do meu pai, episódios do Inspector Morse, o choro incontido e em toda a parte, o aniversário do Sr. Branquinho no restaurante Chocalho em Alcáçovas. Uma a uma, lentamente, rasgo as folhas escritas da agenda. Faço bolas de papel. Atiro-as em todas as direcções. O gato está eufórico.