2009/03/06

Brilliant Histoire d’Amour

Depois de uma paixão, assolapada e imbecil, uma mulher, quando finalmente deixa de gostar de um homem, passa por várias fases. Há a fase da surpresa. Há a fase do alívio. Há a fase do nojo. Há, por fim, a fase do vazio. Maria Viegas estava na fase do nojo. Dava por si a lembrar-se de olhares, palavras, gestos e a sentir-se ligeiramente nauseada. Com vontade de abrir a boca e vomitar. Pela manhã, no carro, em pleno túnel, enquanto pintava os lábios com o brilliant histoire d’amour da lâncome, veio-lhe à cabeça uma palavra. Uma única palavra. Uma palavra escrita. Uma palavra corriqueira. Banal até, mas que odiava. Que era incapaz de utilizar. Esgalhado. Esgalhar. Esgalho. Deu um grito e fez um esgar de repulsa. A palavra em questão não lhe fora sequer dirigida. Esborratou-se. Na falta de um lenço de papel, limpou a boca a um dos muitos bilhetes de parquímetro amarelecidos que se acumulavam no tablier. Começou de novo. Foi então que olhou para o lado. Viu um homem grande e gordo. Um urso gigante. Ou um hipopótamo vagaroso. Percebeu, nesse preciso instante, que, relativamente ao seu marido, apesar de tudo o que acontecera, apesar de tudo o que estava para vir, nunca passara, nunca passaria por uma fase de nojo.