2012/05/08

El enanito (5)


Parou um bocadinho. Estava cansado. Ele falava, falava. Eu escutava, escutava. A Moranguita corria, corria. O meu amigo alçou a perninha curta, pôs-se em biquinhos de pés e, antes que pudesse ajudá-lo, dando impulso ao corpo atarracado, sentou-se na bagageira da Hiace. Depois, baixou a voz e explicou-me que resolvera abandonar em definitivo a indústria pornográfica, já não queria ser uma porno star, não estava para isso, não fora só a humilhação de o terem trocado por um burro, chegou o bicho como se fosse uma estrela, vagaroso e arrogante, puxado por uma arreata do mais macio couro, havia uma meda de feno chileno à porta do estúdio, para lhe encher o bandulho depois de cada cena, era sobretudo por estar farto de contracenar com mulheres de estatura maior. Cansava-se muito. As actrizes pornográficas, mais do que as outras, à conta de tanto enchimento e recauchutagem, eram autênticas cavalonas; injectavam-se com silicone, colágeno, às vezes, até com gordura animal, sobretudo de porco, que encomendavam pela internet, chegava um kit com seringa, duas bisnagas de sebo e um livrinho de instruções, não custava nada, só era preciso inspeccionar bem o produto antes da aplicação, às vezes, ganhava verdete, assim umas manchas jaspeadas que indicavam estar fora do prazo de validade. Pois essas mulheres insufladas tinham corpos que eram uma longura, não acabavam, intermináveis como o deserto do Kalahari e gelados como a tundra gronelandesa, nem imaginas, as mamas eram verdadeiras montanhas, as nádegas têm-nas infindáveis, gelatinosas, mas redondas e colossais, as vaginas são secretas, mas no pior sentido, fundas, buracos negros, autênticas cavernas, uma pessoa é capaz de se perder lá dentro e nunca mais ver a luz. 


Por exemplo, Ana Clara -  tanto que gosto de ouvi-lo dizer o meu nome! - para que tenhas uma ideia, numa cena de preliminares lambidelas, das mais subtis às mais porcalhonas, eu levava uma eternidade a chegar do dedinho do pé ao lóbulo da orelha. Amarinhava, lambia, beijava, chegava cansado lá acima, estourado, lábios dormentes; língua seca, sequinha, áspera como um esfregão verde da loiça, o que não é nada bom sinal para quem sofre de sialorreia. Quedei, achando que, pobrezinho, contraíra alguma doença venérea, gonorreia, sífilis, pior, condiloma, imaginei-lhe a genitália cheia de verrugas, lesões, a glande recamada de excrescências cor de terra, ele percebeu a minha preocupação, explicou que não era nada disso, sialorreia, Ana Clara, produzo muita saliva, salivo excessivamente, então tu não sabes que ando sempre com um lencinho no bolso para limpar os cantos da boca?

 Era por isso, por causa dessa fadiga, que, por mais estimulantes que lhe dessem a tomar, lhe custava a puxar o gatilho. Ali, no corpo da sua Moranguita, tudo estava mais à mão, concentrado. E, depois, isso é que era mesmo importante, amava-a. Foi aqui que achei que chegava de confissões. Enojou-me ligeiramente a conversa porque não acredito no amor. Acredito no amor parental, filial, fraternal, no amor que se baseia no sangue. Entre um homem e uma mulher não há amor. Há apenas rituais de acasalamento, uns breves, outros longos, capazes de durar a vida inteira. Tenho pois um leve desprezo por quem ama, mais ainda por quem desespera por não amar. Em todo o caso, para não o melindrar, disfarcei o enfado que a conversa me provocava. Pedi-lhe que chamasse a Morangita, tivera tempo mais do que suficiente para desentorpecer as pernas, tardava, ainda tinha de ir buscar os miúdos a Caxias, levar a do meio a uma festa de anos naquele centro comercial novo perto da Falagueira e passar por uma drogaria a comprar ácido muriático para a minha empregada limpar as juntas dos azulejos. Ele a falar-me da anã contorcionista, do burro de ouro, de sialorreia, do seu fracasso nos filmes pornográficos; eu a falar-lhe de filhos, de festas de aniversário em centros comerciais, da limpeza das juntas do chão da minha cozinha. Tive noção do remanso que é a minha vida e, naquela tarde, por breves instantes, senti um saracotear por dentro, vontade de chorar. Existência como a minha não se devia admitir.