Dos ramos espinhosos nasciam
folhas enceradas que faziam lembrar asas frágeis de insecto. Na
Primavera, a árvore cobria-se de flores muito perfumadas e, no Outono, de pequenos frutos vermelhos que pareciam romãs e cresciam
em cachos. Quis muitas vezes trincar aquelas maçãs liliputianas. Tomar-lhes o
gosto. Porém, a tia Dé, quando me via perto de tal árvore, as mãos fechadas
escondendo as bagas, abria muitos os olhos. Adivinhando a minha vontade de as trincar, explicava que tais frutos eram venenosos, certa
vez até aparecera no hospital um menino, tão pequenino, muito doente
por ter comido aquelas bagas. Depois, com rispidez, dava-me palmadas nas mãos até eu as abrir e largar os
frutos vermelhos. Nunca soube o nome de tal árvore. Encontrava-a no jardim do
Campo de Santana, perto do infantário, talhada em sebes vivas, também nos jardins do Seminário dos
Olivais onde o cheiro das amoras maduras tornava as tardes de Agosto mais quentes. Sempre que via a tal arvorezinha chegava-me uma vontade urgente de lhe trincar os frutos. Mas logo me
lembrava dos avisos da minha tia. Imaginava, então, que se trincasse uma
daquelas bagas vermelhas cairia no chão tal qual a Branca de Neve
quando provou a maçã. Se provasse as bagas de tal árvore, imaginava eu, pequena, unhas sempre roídas, passaria o resto da vida enfiada num esquife frio de cristal. Por
isso, por temor, nunca desobedeci à minha tia. Apertava os pequenos frutos nas mãos até os esmagar. Uma decepção profunda tomava conta de mim
quando lhes via o interior grumoso e pálido. Queria que tivessem uma polpa vermelha, dramática, sinal de paixão e doçura. Hoje, quando cruzo o parque da Fundação, ignoro os avisos para não pisar a relva e não apanhar flores e frutos. Apanho sempre meia dúzia de bagas das árvores que
crescem junto do Centro de Arte Moderna. Enfio-as nos bolsos. As bagas
continuam sem cheiro. Apodrecem nos meus bolsos até ao dia em que as meterei à boca.
(Voltei a pegar no livro que, para além de castelos merovíngios, fala de pirliteiros e pirlitos. Cedo, voltarei a abandoná-lo.)