2016/01/02

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Fui à Culturgest, assistir ao concerto de Ano Novo da Orquestra Metropolitana. Ao meu lado, Gema, uma senhora de cabelo bem arranjado e camisola bordada, mexeu-se com alegria ao som de valsas e polcas. A determinada altura, ensaiou mesmo um magnífico bailado com as mãos: movimentos cheios de sedução burlesca que me fizeram lembrar Nanni Moretti, entre croissants e croquetes, a dançar enquanto espia a Silvana Mangano na televisão. A sua alegria contagiou-me de tal forma que ignorei a mulher sentada à minha frente. Passou o tempo a fazer comentários arrogantes sobre como se percebia que o público, pelas suas reacções, não percebia nada de música clássica. Pobre mulher, tão empertigada na sua culturazinha de merda, horrorizada por o povo desconhecer a etiqueta do aplauso. Foi um belo serão. Mas, apesar da alegria de Gema (ouvi o marido chamá-la pelo nome, também o vi pousar-lhe a mão nos ombros), valsas e polcas não me fizeram esquecer “Smoke gets in your eyes”, dos Platters. O olhar da Charlotte Rampling enquanto, depois de 45 anos de casamento, dança com o marido. Assim que cheguei a casa, descalcei-me, pus o cd a tocar e dancei para o gato.