2016/01/02

Amanhã

Virado a sul, com uma grande janela de vidros de correr e caixilhos de alumínio, o quarto é a divisão mais quente da casa. Maria sente o ar pesado, o calor agarra-se à pele e parece empastar-lhe o cabelo. Volta a sentar-se na beira da cama. Respira fundo. Pensa no dia de amanhã. Logo cedo, tem aula de hidro-ginástica na piscina. Não se pode esquecer de levar os chinelos, custa-lhe sentir nos pés a água suja do chão do balneário quando não os leva. Durante a manhã, continua a pensar, precisa de telefonar ao canalizador para ver a infiltração na marquise da sala. Um fio de água aparece no tecto, mesmo por cima da trepadeira de folhas enceradas, escorre pela parede e desagua no chão de tijoleira. À tarde, se não estiver muito calor, talvez pergunte à Graça se não quer ir consigo às compras. A toalha plastificada da cozinha precisa de ser substituída e já há algumas semanas que o marido se queixa do ruído das cadeiras da sala, riscando o soalho. Comprará também borrachinhas novas para os pés das cadeiras. Se a ourivesaria da avenida não estiver fechada, talvez mande alargar a aliança. Continua a apertar-lhe o dedo. Maria sente-se entusiasmada com a perspectiva de ter um dia preenchido, mas, ao pensar no instante em que entrará na loja e pedirá as borrachas para meter nos pés das cadeiras, não é capaz de deixar de sentir uma íntima tristeza. Olha em volta. O seu quarto reflecte uma coerência que não a aborrece, pelo contrário, tranquiliza-a.