2006/12/05

Rosa Maria (3)

O caldo entornou-se. Já nem sei o que lhe disse. Só sei que, às tantas, ela olhou para mim e, abrindo muito a boca, mostrou-me outra vez a dentadura. E, depois, sabe o que me disse, senhor doutor, disse-me que tinha uns dentes melhores que os meus e que os homens gostavam de dentes bons! Foi aí, senhor doutor, que eu lhe disse assim ó Rosa Maria, tu, se fizeres um broche a um homem com esses dentes, pões-lhe a pila logo mole! E desatei-me a rir porque comecei a imaginar a Rosa Maria, muito velha, cheia de rugas, muito torta, a fazer o trabalhinho e os dentes a chocalharem por todo o lado. Deu-me um ataque de riso que não consegui parar! A gente ri-se tão poucas vezes nesta vida que tem que aproveitar quando tem vontade. Quando olhei para a Rosa Maria vi que estava caída a tremer por todos os lados. E a dentadura caída no meio do chão. Qualquer coisa no coração. Um ataque fulminante! Quando chegou o 112 e a levou parece que já ia morta. Coitadinha. Não queria que a Rosa Maria morresse senhor doutor! Fico doente, com o coração apertadinho, só de pensar que ela morreu porque eu lhe disse que nem com a dentadura nova ela conseguia arranjar homens que lhe pagassem! Apanhei a dentadura, guardei-a bem guardadinha e tenho-a aqui, senhor doutor, tenho aqui a dentadura da Rosa Maria embrulhada num guardanapo limpinho. O senhor doutor, faz o favor de a guardar, bem guardadinha, porque a Rosa Maria tem de ser enterrada com a dentadura posta. Percebeu, agora, porque quis falar consigo? É para lhe entregar os dentes novos da Rosa Maria.