2009/10/29

Primeira vez

Melinda está no apartamento velho de Bombaim. Lara e Elaine despem a farda puída da escola. Desfazem as tranças negras. Melinda telefona ao marido. Combinam um passeio ao final da tarde na praia. Apanhamos um riquexó. No caminho, Lara, a mais pequena, mostra, com o indicador muito espetado, a mansão onde vive a maior estrela do cinema indiano. Tem três guardas fardados de metralhadora à porta. Um renque de palmeiras e hibiscos floridos de vermelho emoldura o sossego da estrela. Quando chegamos as meninas correm para o pai que as aguarda com maçarocas assadas. No areal há trapezistas, vendedores ambulantes, macaquinhos amestrados, freiras gordas, adivinhos, violadores da devassa ocidental, famílias inteiras que chegam ruidosas. Vendem-se cones de papel de jornal cheios de grão frito e gelados coloridos. Escuta-se um realejo de feira. Os abutres lançam sobre o areal uma sombra de morte. Ao olhar a minha prima Melinda e a sua família senti uma espécie de revelação. Deve ter sido o que os pastorinhos sentiram ao ver a tal senhora. Pareceu-me, nem sei explicar porquê, que a felicidade afinal é uma coisa muito simples. Um organismo primitivo. Uma amiba unicelular. Durante muito tempo, ainda agora, quando penso nessa tarde, nas gargalhadas das meninas, enroscando-se nas pernas do pai, dá-me um aperto no peito, uma melancolia que me sabe bem.