2009/10/29

Segunda vez

Lembro-me de te falar ao ouvido. Vou cuidar de ti. Até seres velho. Não sei como se faz, mas vou ser imortal, como os deuses, para nunca te deixar só. Vou ter muitos filhos. Até as minhas entranhas se cansarem e apodrecerem com cheiro de limão e manchas de bolor. Vou educar essas crias cegas para serem a tua bengala e o teu amparo. Repeti as mesmas palavras vezes sem conta enquanto te embalava. Meu amor. Até que as esvaziei. Tirei-lhes o sentido. Ficaram as palavras mortas, rotas, uns fiapos de espuma, pendurados no vazio. Quando não esperava, entrei-te pelos olhos dentro. Deixei de ser invisível. Senti o corpo quente. Inchei como um balão de feira. Era um deus louco e caprichoso que me soprava para dentro. Achei, pela segunda vez na vida, que podia ser feliz.

(não sei para que serve ser mulher e não ser mãe)