Despimo-nos.
Eu, a sobrinha europeia. Ela, a tia goesa, a menina que o meu pai carregava por
caminhos sinuosos de chuva e lama até à escola. A nudez traz-nos a proximidade
que tardava em chegar. Assim despedidas, a tia Amália começa a lição. Primeiro
o saiote, bem apertado ligeiramente por cima da anca. O umbigo deve deixar-se
sempre destapado. É por aí que o corpo respira, explica. Se se cobrir o umbigo
o corpo sufoca. Depois a blusa que deve ser justa e tapar apenas o peito. Por
fim, o rectângulo que envolve o corpo como se fosse um casulo. Há quatro passos
essenciais que não se podem esquecer. O mais difícil é preguear decentemente a
parte de baixo. É preciso ter mãos habilidosas para o fazer. À medida que a tia
Amália fala, executa os gestos, enrolando-se na perfeição no tecido. Eu tento
imitá-la.
Sentada na cama,
Jessica come umas uvas pretas, muito doces e sem grainhas. Para me
tranquilizar, diz que, em vez do sari, poderei sempre usar um churidar.
Sorrio-lhe. Não gosto nada de churidares. A única peça que gosto no churidar é
a dupata. Continuamos a lição. Por fim, com a ajuda de duas mulheres, consigo
vestir o sari. A minha tia apanha-me o cabelo. Manda-me andar. Olho-a. “You can’t walk in a sari like
you walk in your jeans. You have to
walk with grace, Ana Clara!.” Ando. Ela abana a cabeça. Diz que temos de
treinar o andar-de-sari. Reconheço-me nela. E, outra vez, vejo as mãos do meu
pai no seu corpo. Ela faz-me uma festa no rosto. Gosto da festa que ela me faz,
que é morna, como uma manhã de maio. Diz que pareço uma parsee por causa da
claridade da minha pele. Que estranho, penso, sou uma europeia escura e uma indiana
clara. Jessica, escura e gorda, continua a comer bagos de uva e ri-se.
(Março/2007)