Nanda
continuou a frequentar a igreja. Refez a sua vida: passou a gastar a pensão de
aposentação em restaurantes que serviam comida de inspiração italiana, lia os
suplementos de fim-de-semana dos jornais, comprava guias gastronómicos, fazia
listas, passava a semana a salivar; ao sábado, vestia umas calças escuras de
cintura alta, um bolero de tricot azul com gola de rebuço, escolhia uma pochete
de vidrinhos brilhantes, arrebicava o rosto com um blushe cor de pêssego e
passava um baton forte pelos lábios. Sentava-se sozinha em restaurantes de
ambiente elegante e descontraído, frequentados por homens de barba aparada,
ligeiramente adamados, mulheres emancipadas que deixavam a prole com babás
ucranianas. Os comensais habituais, limpavam os cantos da boca a guardanapos de
pano, beberricavam roses frutados, tintos robustos e brancos frisantes,
mantinham a conversa acesa, acordavam na essencialidade da austeridade, alongavam-se
em análises profundas sobre a crise, desfiando, como se fossem seus, argumentos
lidos em colunas de opinião; arrumada a situação económica do país, passavam a
temas mundanos, falavam de férias em resorts turísticos, de mensalidades de
colégios privados e peças de mobiliário vintage, compradas em lojas da Baixa.
De viés, sem conseguir esconder o incómodo, olhavam Nanda, estranhando a
presença daquela sexagenária solitária, o bolero de tricot sem requinte
informal, as calças de cintura alta demasiado justas a acentuar a adiposidade
do corpo velho; metia-lhes nojo ver os arrabaldes intrometerem-se na
descontraída sofisticação das suas vidas.