2012/09/17

Austeridade


Nanda continuou a frequentar a igreja. Refez a sua vida: passou a gastar a pensão de aposentação em restaurantes que serviam comida de inspiração italiana, lia os suplementos de fim-de-semana dos jornais, comprava guias gastronómicos, fazia listas, passava a semana a salivar; ao sábado, vestia umas calças escuras de cintura alta, um bolero de tricot azul com gola de rebuço, escolhia uma pochete de vidrinhos brilhantes, arrebicava o rosto com um blushe cor de pêssego e passava um baton forte pelos lábios. Sentava-se sozinha em restaurantes de ambiente elegante e descontraído, frequentados por homens de barba aparada, ligeiramente adamados, mulheres emancipadas que deixavam a prole com babás ucranianas. Os comensais habituais, limpavam os cantos da boca a guardanapos de pano, beberricavam roses frutados, tintos robustos e brancos frisantes, mantinham a conversa acesa, acordavam na essencialidade da austeridade, alongavam-se em análises profundas sobre a crise, desfiando, como se fossem seus, argumentos lidos em colunas de opinião; arrumada a situação económica do país, passavam a temas mundanos, falavam de férias em resorts turísticos, de mensalidades de colégios privados e peças de mobiliário vintage, compradas em lojas da Baixa. De viés, sem conseguir esconder o incómodo, olhavam Nanda, estranhando a presença daquela sexagenária solitária, o bolero de tricot sem requinte informal, as calças de cintura alta demasiado justas a acentuar a adiposidade do corpo velho; metia-lhes nojo ver os arrabaldes intrometerem-se na descontraída sofisticação das suas vidas.