Na
Índia, ao contrário de cá, os jornais não trazem mensagens eróticas. Shiva,
sempre entretido em cabriolices eróticas com as suas consortes, de lingam
erecto, não o permite. Em contrapartida, há em cada jornal uma longa secção de matrimonial. Trata-se, como o nome indica, de uma secção de
anúncios de quem procura parceiro para casar. As mensagens são de uma
especificidade impressionante. Nunca tinha visto nada igual. As brides e os grooms descrevem-se com rigor e exactidão. Num
quadradinho de papel condensam a informação necessária para despertar o
interesse de um potencial parceiro: idade, casta, religião, habilitações
-desengane-se quem pensa que na Índia são todos uns desgraçadinhos analfabetos,
na maior parte dos casos, principalmente nas cidades, o que está em causa é
saber se se tem uma especialização ou um doutoramento -, região, profissão,
salário e, claro, o tom da pele. Fiquei viciada na leitura daquela secção dos
jornais indianos. Por isso, quando a tarde caía sobre a casa de Maina e os
esquilos se escondiam nos ramos da mangueira, eu arrastava a cadeira de baloiço
para a varanda e entretinha-me a ler os anúncios dos casamentos, tentando
encontrar naquelas listas infindáveis correspondências que assegurassem aos
noivos um casamento feliz para a vida. Um dia, a Ria, a menina-balão, veio
sentar-se perto de mim. Espreitou o jornal e chamou, com a sua voz de trovão,
as outras crianças da casa que, entretidas a chupar limas, correram para perto
de nós. “Ana
Clara is reading the matrimonial! She is looking for an indian groom!”. Ri-me
do descaramento da menina-balão e belisquei-a. Depois, passámos o resto da
tarde à procura de um noivo indiano para mim.
(Maio/2007)