2006/10/10

Cesariny (2)

Foi então que reparei no quadro. Um Cesariny, enorme e amarelo. O marido da prima, perante o meu interesse no quadro, perguntou-me se gostava. Antes que pudesse dizer-lhe que não explicou-me que a compra daquele quadro tinha sido um belo investimento. Esperava que o mesmo valorizasse assim que o pintor morresse. Olhei para o quadro preso naquela triste realidade. Lembrei-me da entrevista lida pela manhã, o Cesariny tão velho e saudavelmente louco, a falar dos urinóis de Lisboa, dos homens que amou e dos outros com quem se deitou, a falar, com desassombro, da vida e do pode haver dentro dela. Lembrei-me de tudo isto e calei o chorrilho de disparates que esteve prestes a sair-me da boca. A tua mulher é boazona, mas burra que nem um calhau e tu és um prostituto, um chulo, um badameco armado aos cucos, um cobridor de fêmea que se veste de tigre e usa unhas de gel. Havia ela de ser de Camarate, da Brandoa ou da Cova da Piedade, tesa e retesa, a ver se te casavas com ela. Era o casavas. Quando ele se calou fugi para a cozinha. Fumei vários cigarros de seguida. E deixei-me ficar a falar com a ucraniana de olhos glaciares.