Aborrece-me a anã. Tão pequena, impingindo a sua miséria, disfarçada de outra coisa qualquer, aos outros. Os outros olhando-a com surpresa e um certo nojo. Fitando-a, vasculhando bolsos à procura da esmola. Fujo-lhe. Volto a encontrá-la perto dos iogurtes e da padaria. Sempre interpelando alguém, vendendo rifas, escrevendo qualquer coisa nos papelinhos amarelos, recebendo moedas de um euro em troca. A Madalena alheia a tudo, sentada no carrinho, mexe numa árvore com cheiro de morango que será plantada no carro para disfarçar o cheiro dos chichis que a cadela insiste em fazer em cima da cadeira do João. Por fim, no corredor das cervejas, acontece o que temo. Sou abordada pela tenebrosa anã. Torta, tortinha, muito feia, sem dentes, mexendo-se com dificuldade, caminha na minha direcção, sorrindo-me. Olho-a, tentando perceber o que me diz. Os seus lábios movem-se, é certo. Um sorriso grotesco está colado ao seu rosto. Não a ouço. De repente o mundo emudece. Com calma, com muita calma, tiro a Madalena do carrinho, que vem cheio e pesado, e lanço-o na sua direcção. Ela, a anã, afunda-se no soalho encerado. Ninguém dá pela sua falta. Em sítio nenhum. Olho em redor. Nem um resquício ficou para a posteridade. Nem sequer um papelinho amarelo. Meto quatro garrafas de cerveja sem álcool no carrinho e respiro de alívio.