2006/07/31

Agostinho

Uma mulher aproxima-se. Diz-se catequista. Tem ar de roedor, de chinchila ou de porquinho da índia. Havia de estar numa pradaria, a correr, a saltitar, a entrar dentro de tocas, rebolando pelo feno, soltando grunhidos felizes. Está muito transpirada. A sua insegurança é notória. Pergunta se me pode oferecer um livro sobre o sagrado coração, escrito por um padre do Porto. Assegura-me que depois de o ler me vou sentir muito melhor. Só tenho de rezar, todas as noites, as orações que vêm no final do livro. Agradeço-lhe. Antes de se ir embora pergunta-me se sou brasileira. Sou, sou, trabalho num bar, digo-lhe devagar, muito devagar, pronunciando as palavras num português claro, genuíno. Ela olha-me com simpatia e piedade. Toma-me por uma mulher perdida. Eu sou uma mulher perdida. Folheio o livro. Entre muitas outras coisas, descubro que o Santo Agostinho, antes de se converter ao sagrado coração e se tornar num grande pensador, era um pecador. Era um Agostinho dado a vícios, aos pecados da carne, à luxúria, indigno de uma padiola, quanto mais de um altar. Ai, o malandreco.