2006/07/17

Carioca

Houve o sair de casa sem choros, nem dramas. Um beijinho repenicado na boca e um abraço fugidio do menino cigano. Houve o vestido novo, vermelho de ramagens cor-de-rosa, muito apreciado pela Maria Emília. Houve os galanteios do senhor director do teatro que retribui com simpatia. Houve o rinoceronte que atravessou a cidade, os homens que se metamorfosearam em paquidermes africanos, outros asiáticos, e o homem que ficou só no mundo. Houve o professor de filosofia, abanando-se com um leque sob as arcadas do teatro. Imaginei-o com um vestido vermelho e caracóis pretos, tal qual a Duquesa de Alba que Goya tanto gostava de pintar. Houve o crítico com ar tísico e dentes podres. Vestido com um blaser de poliéster branco que devia cheirar mal. No pescoço uma gargantilha de vidrinhos pretos. Ladrando opiniões como um caniche de colo. “Gostei, não digo que não, mas a personagem do Bérenger não devia ter este registo naif. Ele é o único homem lúcido.”, ladrava o caniche com corpo de homem. Eu a topá-lo. Houve a mulher de lábios carmim, simpática, de que me instou a participar numa comunidade leitores. “Venha!”, disse ela. “Vou”, prometi. Sou perita em não cumprir promessas. Foi, pois, um dia quase perfeito, não fosse o resto que a noite sempre traz. Mas o melhor, confesso, foi folhear um jornal de distribuição gratuita e descobrir que os concertos do Chico Buarque já estão agendados. 3,4,5 e 6 de Novembro. Liguei logo à mana. Parecíamos duas tontinhas adolescentes. Já está combinado. Vamos no primeiro e no último dia. Se nos der na real gana, é possível que dê, nos outros dias também.