2006/07/07

Cigarras

Se calhar o que, pela manhã, ouvi não foram grilos. Foram cigarras. Cigarras boémias, hedonistas, fadistas, bêbadas de desejo de acasalar, de copular. Sempre gostei de cigarras, apesar de terem a feiúra própria e repelente dos insectos. Vem-me a simpatia por tais bichos da velha história da cigarra e da formiga. No entanto, em miúda, não era simpatia o que sentia pela personagem da cigarra. Era inveja por ela ser precisamente o contrário daquilo que eu era, uma formiguinha ajuizada, estudiosa, elogiada, em rasgos exagerados, por progenitores e educadores. Um exemplo de virtude e aborrecimento. Mas se calhar também não eram cigarras. Fossem cigarras, grilos, qualquer outra espécie de besouros citadinos, o certo é que espalhavam pela estação um ruído monótono, um frémito inusitado. Tornaram quente, quase abrasiva, de insuportável, a mornidão da minha manhã.