2006/07/13

Vizinho (1)

É vizinho dos meus pais. Um goês muito bonito, oftalmologista de profissão, de cabelos grisalhos. Casou com uma espanhola de Madrid, com quem teve dois filhos. Poucos anos depois, a espanhola fartou-se dele. Abalou, espavorida, como é próprio do seu povo, para Espanha, levando consigo a prole. Ficou sozinho, assistido por uma irmã, muito chata, especialista em intermináveis litanias sobre as agruras da vida e os padecimentos do corpo. Passei anos a vê-lo sozinho, saindo no seu fiat clio, em direcção a destinos incertos. Ao contrário do meu pai, afastou-se durante muito tempo da Índia. Só há meia dúzia de anos, voltou a casa. A Goa. E, então, deslumbrou-se. Como se tivesse descoberto a sua essência, uma parte de si que andava esquecida. Passou a ir todos os anos à Índia, geralmente, na mesma altura que os meus pais. Arrendou um apartamento, em Margão, que a minha mãe descreve com displicência. “Ai filha, para lá se entrar tem que se passar por um corredor escuro cheio de cães vadios! É um horror! Tu não eras capaz de passar por lá”. Ela sabe bem o pavor que tenho a canídeos. Quando lá está, vai visitar os meus pais a Maina. Espreguiça-se no alpendre da casa que viu nascer o meu pai, que o meu pai percorreu, menino descalço e feio. Olha o quintal e os campos verdes onde pastam as vacas e búfalos. Sente-se feliz.