2006/07/24

Licor Beirão

No meio da mata, por baixo de um pinheiro, que imagino como o mais alto, deparo com um espectáculo bizarro. Fosse eu uma mulher de respeito, devota, e ter-me-ia, de imediato, benzido e fugido dali. Sobre a caruma e a areia, uma toalha vermelha. Um rectângulo cor de sangue. Duas ou três fitas de cetim vermelho esvoaçam por cima. As fitas são de um vermelho diferente. O vermelho, é sabido, é cor de imensos matizes. Não há cor como o vermelho. Assume mil tonalidades. Pode até ser exactamente o mesmo tom, mas consoante os objectos em que encorpa o vermelho torna-se diferente. O vermelho de uma rosa é naturalmente diferente do vermelho de um copo de plástico. O primeiro tem cheiro e é aveludado. O segundo é brilhante. Adiante. A toalha tem cor de sangue. Já as fitas de cetim são de um vermelho lupanar, daquelas que serpenteiam cuequinhas de renda baratas, daquelas que se enfiam no rego do rabo e despertam expressões boçais e endurecimentos imediatos. Por todo o lado há restos escaqueirados de garrafas. Deviam ser quatro. Pelo menos conto quatro gargalos. Uma delas é de licor beirão. As outras têm rótulos de letras miudinhas e são de vidro branco. Garrafas de aguardente. Uma vela roxa repousa no meio do festim, cansada de ter alumiado os rostos que proferiram palavras secretas, sacrílegas, antigas.