2006/07/20

Senhoras da limpeza

São as senhoras da limpeza. Dir-se-ia que esperaram na sacristia o momento em que as vozes esganiçadas se calassem. É que assim que se calam as do terço entram as da limpeza. Uma sincronia perfeita, uma precisão que nunca falha. Umas calam-se com os louvores ao senhor, as outras entram para lhe limpar o templo. São duas, as senhoras da limpeza. Velhas, redondas, de batas floridas. Fazem-me lembrar bichos pesados, daqueles que, em manadas, levantam nuvens de poeira ao passar. Chegam artilhadas de baldes, esfregonas, detergentes, um aspirador e uma enceradora. As devotas do terço já as conhecem. Depois de lhes acenarem com a cabeça fogem dali para fora, regaladinhas, ajeitando as mises e puxando as combinações para baixo, deixando deus lá dentro, sozinho e triste. As senhoras das batas floridas depois de expulsarem as senhoras do terço tornam-se donas do lugar. Falam alto como se aquele fosse um outro qualquer local de trabalho, uma fábrica, um edifício de escritórios, um centro comercial. As suas vozes ecoam pelo recinto. Aprecio-lhes a atitude, confesso. Geralmente, no fim, fico eu e elas. Eu, ímpia, impura, infiel, descrente, começo a encher-me outra vez do mundo de fora. Remoques de tristeza e abandono entram-me pelos poros, pelos orifícios pequeninos do meu corpo. Saio quando me dizem “Menina, são horas de fechar”.