2007/09/05

Madre Teresa

Por volta dos doze anos vi um documentário na televisão sobre a Madre Teresa e as Missionárias da Caridade. Ao vê-las percorrer as ruas da cidade-labirinto, tocando os moribundos, alimentando crianças, tratando dos que não têm nada nem ninguém, roendo a miséria da vida, chorei lágrimas sinceras de comoção. Nesse preciso instante decidi que quando crescesse havia de ser freira. Também eu queria dedicar a minha vida aos outros, levar-lhes alívio e alegria. Também eu queria alimentar, lavar, ajudar, ensinar, curar. Pareceu-me, naquela altura, que essa era a única maneira de viver a vida sem criar escaras. A minha vocação, porém, durou pouco tempo. Cedo percebi que nunca poderia ser freira. Era, e continuo a ser, de uma passividade absurda, incapaz de concretizar um projecto ou uma ideia. Depois, faltava-me um requisito essencial para o desempenho de tais funções: a fé. Não tenho fé. Nunca tive. E tenho pena de não a ter. É muito difícil viver sem fé. Vive-se com urgência e precipitação, com a inquieta sensação de desperdício da única oportunidade que temos para ser felizes. A fé faz falta. Por isso, volta e meia, procuro-a. Enfio a cabeça dentro do meu corpo e lanço um grito esganiçado lá para dentro. Ecoa a minha voz nos corredores das minhas pernas e dos meus braços, no salão do meu tronco, voa a minha voz até às clarabóias distantes por onde entram as sombras e a luz. Fico rouca de tanto chamar por ela. Ela, a fé, nunca me respondeu. Como se faz para ter fé? E como é possível ter fé num mundo tão amargo, de injustiça, frivolidade, sofrimento e miséria? Não consigo compreender. Não estranho, por isso, as dúvidas e inquietações que, durante 50 anos, a Madre Teresa sentiu. Difícil é ter fé. Falo de fé genuína, não da fé domingueira dos que abrem a boca para receber a hóstia sagrada e, depois, seguem vivendo regaladinhos e aliviados. Interessa-me pouco averiguar sobre se a fé da Madre Teresa era genuína ou não. Nem me interessa saber se aquilo que fez, durante a vida, foi por causa da fé. Só me interessa saber que o fez. E continuar a tê-la como exemplo.