2007/09/16

Outono

Sento-me junto da vitrina do café e observo. Naquela janela, entre dois vasos de gerânios, um velho muito velho come devagar uma laranja e atira, descarado, as cascas para a rua. Em jeito de provocação, lança a quem passa um sorriso trocista. Ali, uma mulher, que fala ao telemóvel, passeia um cão branco, atarracado, de orelhas pontiagudas. Agacha-se o bicho mesmo em frente da entrada de uma loja de utilidades domésticas. Deixa uma espiral de fezes mole no meio do passeio. A dona continua a falar ao telemóvel. O animal vai agora mais ligeiro. Nota-se pela maneira como corre. Trota como se fosse um cavalinho anão e orgulhoso. Como são burros os animais. Quase tanto como a maior parte dos homens. Acolá, uma mulher traz o corpo cansado. Os pés inchados enfiados nuns chinelos de corda. A criança que se aninha no seu colo atrasa-lhe o passo. A mulher quer andar mais depressa para apanhar o autocarro que vem apinhado de gente. Não consegue. Sentam-se as duas, mãe e filha, no banco da paragem. Ali ficam. A mulher descansa por breves instantes. Sabe-lhe bem aquela paragem no dia. A menina, de mil tranças, come um chocolate e atira o papel para o chão. Aquelas pessoas, as que estão do lado de lá do vidro, sem saber, fazem-me companhia.

(Caíram os primeiros dias outoniços. Trouxeram trovoadas e chuvas.)